O despertar do dólar


A reversão do desempenho do dólar em setembro pegou de surpresa os investidores. Só neste mês, o dólar sobe 17% até ontem, quando fechou em alta de 4,24%, a R$ 1,865 na venda, a maior cotação desde 7 de junho de 2010. Com o salto, muitos investidores podem estar se perguntando se não seria um bom momento para voltar aplicar na moeda americana.
Para os analistas, no entanto, apostar na valorização do dólar continua sendo uma opção arriscada para as pessoas físicas, dada a grande volatilidade. A alta do dólar neste mês foi impulsionada pelo aumento das preocupações em relação à crise da dívida soberana na Europa, que levaram a uma corrida pelos título s públicos americanos (Tresuries), afirma Mauro Calil, consultor financeiro e professor do Centro de Educação e Formação de Patrimônio Calil & Calil.
O rali desta semana foi em parte influenciado por um movimento de curto prazo, com os investidores buscando hedge (proteção) para posições vendidas (apostando na queda) em dólar, diz Alfredo Barbutti, economista da corretora BGC Liquidez.
O cenário, porém, é diferente de 2008, quando muitas empresas que tinham operações alavancadas e foram obrigadas a reduzir suas posições, puxando a cotação da moeda para cima, até bater R$ 2,53, lembra Barbutti.
A tendência da moeda americana no longo prazo, porém, continua sendo de queda, uma vez que o déficit americano ainda é muito alto. “O dólar não foi uma boa aplicação nos últimos anos e o risco é muito grande, dada a alta flutuação da moeda”, diz Barbutti. Para o economista, seria necessário a definição de uma tendência de alta para apostar no dólar, o que não está claro neste momento. Assim, a aplicação em fundos cambiais também não é interessante, apesar do ganho no ano 5,74%, até dia 16.
Comprar contratos de derivativos também não é recomendado para pessoas físicas, diz Barbutti. Hoje a BM&FBovespa oferece o minicontrato futuro de dólar, cujo valor equivale a 10% do contrato-padrão ou US$ 5 mil. Mas a operação envolve o ajuste diário das margens de garantia. Assim, embora não tenha que pagar o valor total do contrato, o investidor deve ter uma reserva para cobrir margens no caso de uma alta brusca.
Já para quem tem despesa programada em dólar, o melhor é fechar o câmbio. “Se a pessoa tem uma viagem marcada para o exterior, ela deve comprar dólares no Brasil, para não ter surpresas na volta”, alerta Calil.
A crise global está mudando o cenário que se tinha antes, de pequeno impacto nos mercados emergentes, avalia Walter Maciel, sócio-diretor da Quest Investimentos. Apesar de estarem em melhor situação macroeconômica, o receio de que a situação na Europa seja mais séria está provocando uma fuga de recursos dos emergentes. “Quando se começa a flertar com o desastre, e o desastre é a Europa, se começa a falar em aversão mais profunda ao risco e isso afeta os emergentes”, diz.
O Brasil, observa Maciel, acrescentou mais alguns elementos a essa aversão ao promover uma série de restrições aos investimentos estrangeiros e sinalizar mudanças na política econômica com medidas protecionistas e a redução inesperada dos juros.
A valorização do dólar causa preocupação com a inflação, afirma Maciel, uma vez que eram os produtos importados que seguravam os índices, pressionados pelos serviços e preços locais. E a alta da inflação torna atrativos na bolsa os papéis mais defensivos, ligados a empresas de energia, telecomunicação e saneamento, que têm suas tarifas reajustadas por índices de preços. Ao mesmo tempo, setores exportadores acabam representando um risco maior pelo desaquecimento da economia mundial, apesar do ganho com a alta do dólar, observa Maciel.
Para o pequeno investidor, não vale a pena comprar dólar hoje a R$ 1,86. “Ele pode chegar a R$ 2,00, mas, se chegar, o ganho vai ser de 7,5%, não compensa o risco”, afirma Maciel. Se houver uma solução para a crise na Europa, mesmo que paliativa, a moeda pode voltar para os R$ 1,70 a R$ 1,60. Ao mesmo tempo, os juros locais continuam atrativos, apesar da queda deste mês. Maciel diz que ficaria também fora de papéis de crédito privado, pelo risco de inadimplência com a piora da economia internacional.
Fonte: Valor Econômico – 22/09/2011